segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Entrevista Completa - Fanzine Abdução Extrema Nº08



Abdução Extrema – Olá meu velho amigo Charlie, primeiramente eu gostaria de lhe agradecer por esta entrevista, e também, pela amizade verdadeira em todos esses anos, livre de interesses, estrelismos e exibicionismos:
Charlie Curcio - Sempre um prazer falar com voce, Mosh! Nós somos de um tempo em que amizades eram mais importantes do que defesas de teses alheias, mesmo sem nem saber se quem as defende realmente as executa. E sempre muito legal fazer aparições em suas publicações, e realmente sem estrelismos e exibicionismos, apenas dando as caras para algumas falas ácidas e desagradáveis... hahaahahah!!!

Abdução Extrema – É o que eu também as vezes acredito, nem sempre quem as defende realmente as executa! Muita contradição no movimento... Gostaria de começar esta entrevista perguntando sobre o seu começo na cena underground, como e quando você teve o seu primeiro contato? Qual foi a banda que despertou seu interesse? Seu primeiro disco ou fita... enfim, algo sobre sua trajetória!
Charlie Curcio - Eu tive muitas decepções no meio Underground, no meio do Grind e Hard Core, justamente por acreditar demais nos discursos nos palcos e nas letras que lia nos encartes dos discos. Nada diferente do que o resto da sociedade prega e faz, ou não faz. Muita união, consciência, boicotes e vida em uma linha reta e correta, mas na realidade, tudo ao contrário e ironicamente sarcástico. Sobre meu começo neste meio... bem, meus primeiros contatos com o Rock'n'Roll se deu mesmo em 1983, o que acho foi o ponta-pé inicial da maioria das pessoas de nossa geração, mas que poucas assumem, como eu sempre deixei bem claro que foi com uma fita da TDK que uma prima minha me deu com uns sons do KISS. Mas, quanto ao que me proponho a fazer, que é som pesado, rápido e sujo, calcado no Grind Core, meu contato inicial foi mesmo nos anos de 89 pra 90 quando peguei umas fitas de algum trocador de fitas daquele tempo (acho que com a Sound Riot ou Rotthenness Records), que tinha as DT de Rot, Agathocles, No Sense, Abominog, e gravações de RipCord, Raw Power, etc.

Abdução Extrema – Com certeza, o Kiss foi realmente a porta de entrada para muitos da nossa geração, embora, antes mesmo do Kiss, era comum aquelas propagandas do cigarro Hollywood com bom Rock’n’Roll. Você se lembra do primeiro show em que você foi? Quando, onde, bandas?
Charlie Curcio - O primeiro show que fui na vida foi do Sepultura, em Campina Grande, em 19 de março de 1989. Antes havia morado só em algumas cidades que não rolavam shows e em 85 eu morava aqui em BH, mas não tinha conhecimento da cena que já acontecia por aqui, me limitava só aos programas na TV e no rádio. Era um nerd metido a roqueiro nerd... hahaahahah!!!

Abdução Extrema – Além das trocas de tapes e zines, qual foi sua primeira atividade na cena e o que o motivou a iniciá-la? Banda, zine, distro?
Charlie Curcio - Minhas primeiras atividades no meio Underground foram mesmo com zines. Eu acho que a maioria do pessoal começou assim, e depois vieram as bandas. Eu fiz um zine tosco chamado Merda. Depois o Merda foi ficando "arrumadinho" e decidi mudar o nome para Crazy Invasion Mag., o qual fiz sete edições e parei. Quando estava no número quatro do Crazy Invasion eu já havia me envolvido com bandas, como a minha primeira, a Insania, depois vieram Diarrhea, Interitus, Óstia Podre (sem H mesmo) e já iniciava os primeiros passos com o StomachalCorrosion. Minha motivação foi a de divulgar o que acontecia inicialmente na nossa cena local, em Campina Grande, mas com as chegadas de muito material de todo lado, fui incluindo nas edições seguintes do Crazy Invasion!

Abdução Extrema – Cara, eu tenho acho que todas as edições do zine Crazy Invasion! E me lembro de no início dos anos 1990, ter colocado uma matéria sobre o Intéritus no meu zine Thermic Inversion, acho que o meu contato na época era o Pablo! Acredito que de todas as bandas a que mais se destacou, ou se preferir, a que mais ficou conhecida no movimento foi o StomachalCorrosion! Sinta-se a vontade em nos falar a origem da banda, tanto quanto seus lançamentos até o momento:
Charlie Curcio - Apesar de eu ter iniciado o Interitus com o Pablo, ele é que tomou mais a frente da banda mesmo, pois eu era muito focado e compromissado com o Crazy Invasion Mag. E seu contato com o zine era mais com duas irmãs que me ajudavam. Certamente das bandas que me envolvi e iniciei, o StomachalCorrosion é o com maior longevidade e alguma notoriedade aqui e ali, pois sempre procurei divulgar bastante e ter bons apoios e amizades, mas como disse anteriormente, me decepcionei demais também com algumas pessoas, atitudes, comentários e incompreensões. O SC surgiu justamente no dia que decidi sair do Interitus, em janeiro de 1991, de lá até hoje tenho buscado colocar o nome da banda em todos os lugares que acho que tenham a ver com nossa proposta e que abram espaço para nosso trabalho. Lançamos poucas coisas até hoje devido às muitas mudanças na formação e minhas mudanças seguidas de cidade. De principal posso mencionar os splits com Jan AGx, Agathocles, a compilação Grindattack, nosso primeiro CD cheio Transtorno Obsceno Repulsivo, o LP12" split com o Disarm (o qual eu gravei baixo e vocal para o Disarm também) e recentemente uma fita cassete profissional lançada na Holanda, split com a banda DHM. Mas, valorizo cada participação em cada fita K7, CDr, CD, DVD e VHS (como na Grinder Brain Comp., lançado por voce).
Abdução Extrema – Muito bem, quais são os assuntos abordados em suas letras e qual sua postura ideológica?
Charlie Curcio - Eu sigo aquele velho posicionamento lírico do Punk, ou seja, protesto, contestação, neutralidade e revolta política, indignação com religiões e seus abusos, críticas à própria cena ou movimento Underground, mas sem deixar de lado a ironia e até o humor em alguns momentos. E estas são faces de mim mesmo no que diz respeito à minha postura ideológica. Vejo muita coisa ainda sem sentido ocorrendo dentro do nosso meio, como a parte de venda de materiais produzidos aqui, tipo os CDs, DVDs, zines, fitas cassetes e tudo mais. As pessoas parece que esquecem que existem custos, taxas abusivas aplicadas por órgãos como Receita Federal, Alfândega, etc. Parece que o quê é produzido no meio Underground é pago com alguma frase do tipo: Aqui é puro amor pelo Underground, irmão, não quero lucro! E a resposta seja apenas: Hail, irmão! Não precisa pagar, tudo pela cena!". Faça isso em um supermercado, Correio, açougue, ou ainda tente pagar a gráfica que faz os cartazes das gigs, o som e tudo mais com algum comentário de "amor ao Underground" e "abaixo o Capitalismo" para ver o que vem de resposta. Acredito que só com a compreensão de um justo comércio no meio é que as coisas melhorarão e ótimas pessoas não saem daqui para outros meios.

Abdução Extrema – Bem, aproveitando sua resposta, eu particularmente acho que existem preços realmente abusivos onde não deveria existir, mas também concordo com o que você diz sobre tudo ter um custo e sobre taxas abusivas. Vocês tem participado de muitos shows? Com quais bandas vocês tem tocado e por onde tocaram?
Charlie Curcio - No momento estamos em um constante processo de compor e gravar. Mas, dia 22 de janeiro faremos nossa derradeira gravação deste período, para nosso segundo CD cheio, que deverá sair pela mesma parceria que lançou nosso split Cassete com o DHM. Daí vamos ver se conseguimos fechar algumas datas em BH inicialmente e partir para outras cidades. Então, não temos tocado com nenhuma outra banda... hahaahah!! Mas, o baixo deste novo CD chamado apenas StomachalCorrosion (junto mesmo) será gravado pelo Rodrigo F., das bandas Holocausto, Certo Porcos!, Bode preto e PexbaA.
                                           
Abdução Extrema – Falando em shows, como estão as coisas nessa que foi a cidade berço do Metal no Brasil um dia, Belo Horizonte? Quais bandas, selos e zines você nos recomendaria?
Charlie Curcio – BH é um caso à parte, Mosh! Aqui parece que rola uma cena particular, com shows quase todos as noites em alguma casa pela cidade toda. Há muita gente boa aqui, posso indicar bandas como a conhecida Expurgo, Perceptor, Aka Funeral, Uraeuz, Holocausto (que voltaram com tudo), Impurity, TheEvil, Pesta, Certo Porcos!, Dops, Rastros de Ódio. De zines, só lembro do CAOZ, que está mais pra revista!

Abdução Extrema – Legal saber que o Holocausto está de volta! Além do Stomachal Corrosion você possui outras atividades paralelas relacionadas à cena? Me lembro que você tinha uma loja de disco: 
Charlie Curcio – Eu iniciei um projeto com ao Anderson, batera do Expurgo, chamado Tumour Regurgitate, mas está parado devido à falta de tempo por parte dele, que é sempre muito ocupado com o Expurgo, trabalho e família. Há uma proposta de um projeto Noiser com o Rodrigo F., chamado Stench of War, mas ainda sem previsão de fazer qualquer coisa que seja.... hahahaah!!! A minha loja era em Cambuí e a fechei em 2010. Hoje trabalho com a Cogumelo Records também.

Abdução Extrema – Sério? O que você faz lá na Cogumelo?
Charlie Curcio - Sim, trabalho com as vendas via internet e outras frentes, como revisões de algumas artes. Cuido da página do Facebook, do site e tudo mais que posso ajudar.

Abdução Extrema – Que legal Charlie! Voltando lá no comecinho do seu envolvimento com o underground aos dias de hoje, o que você considera que tenha mudado em sua vida? Você acredita que algo mudou? Acredita que de alguma forma, a cena possa causar mudanças na vida de uma pessoa? Na forma de encarar a sociedade por exemplo: 
Charlie Curcio – Ah com toda certeza! No começo rola muita pureza e inocência em acreditar no que já mencionei em relação às demais bandas, zines e tudo mais, mas com o tempo vamos aprendendo que a demagogia é algo inerente ao ser humano. Aprendi muito com pessoas no meio Underground, se sou quem sou hoje, devo isso 50% ao convívio neste meio, ao o quê tenho lido, conversado, ouvido e tudo mais. O que acabei atentando também, é que fala-se muito em tantas cosias, como em Liberdade, mas cria-se em contra-partida, regras e dogmas tão torpes quanto os que existem no restante da sociedade. E o importante é não esquecer de que também fazemos parte da sociedade, mesmo vivendo deforma aparentemente alternativa, nós utilizamos de muito do que as demais pessoas utilizam, como transporte público, locais para compras variadas, Correios, etc. Em relação á mim, posso dizer que sempre busquei aqui, neste meio Underground, a liberdade de ser como quero ser, de usar minhas roupas e camisetas de bandas como eu quero! Acredito que o visual ainda é algo preponderante e de certa forma importante como identidade visual e até libertária em vista do restante do social. É como diz o Cólera: Eles te obrigam a vestir social. No nosso meio não deve ser visto como uma obrigação usar o visual característico, mas uma mostra de nossa liberdade em nos vestir assim!

Abdução Extrema – Ainda como diz o Cólera, e muitas vezes: “Eles de dão a mão, te dão a mão, só pra empurrar”... Antigamente você sabe, era muito difícil de se conseguir discos e gravações, hoje em dia você pode conseguir qualquer coisa facilmente, de demos a CD’s, basta sentar na frente do computador e com poucos clicks você consegue baixar a discografia de uma banda, até mesmo raridades como demo tapes, ensaios e etc! O que você acha disso? O que você acha dessa modernidade toda e da cena de internet? 
Charlie Curcio – Sinceramente eu sou um cara que prego e procuro viver livremente até onde consigo. Não ligo muito para estas coisas de boicotar Internet, downloads, etc. Eu ainda sou do físico, de ter as fitas, os LPs, EPs, CDs, zines de papel, etc! Mas, quem quer baixar ou ouvir pelos sites... pra mim, isso não me importa e nem me esquenta. O próprio SC tem coisas na internet que eu mesmo postei, e outras que outros caras mandaram, e acho isso legal demais, é uma força que estão nos dando! Não há como cortar um curso como este da Internet. Vejo pessoas vindo ao Facebook reclamar que o Facebook é um veículo de bosta e que esta merda toda deveria acabar!!! É inocência ou piração mesmo? Hahaha!!Conheço muita gente que não gosta de Facebook e não tem perfis nem aqui, nem em nenhuma outra rede social. Outros não baixam nada de som, e eu sou assim, prefiro o físico, como citei acima! Pois assim, posso seguir ajudando as bandas. gravadoras e tudo mais!
Tenho ótima amizade com o pessoal da revista Roadie Crew, e na última vez em que estive com o Airton Dinis, o perguntei se a internet havia atrapalhado as vendas da revista física, ele me respondeu prontamente que "de forma alguma, a internet ajudou a divulgar mais ainda a revista e as vendas são maiores hoje do que antes"!

Abdução Extrema – Cara, eu particularmente baixo muitas coisas da internet! Não me importo se alguém boicota ou não mp3... Infelizmente não tenho onde ouvir minhas fitas k7, então me contento e muito com mp3. E verdade, tem muita gente que reclama das redes sociais como Facebook por exemplo, mas sempre estão por lá, não largam mão e nem excluem seu perfil... o problema em si não são as redes sociais, mas sim os sociais. Considerando a utilização da internet para a divulgação de bandas, shows, resenhas, reportagens e etc., qual sua opinião sobre os fanzines hoje em dia? 
Charlie Curcio – Daí te pergunto em contra partida: Quais zines? raramente vejo zines impressos hoje em dia. O que tem, e muito são os vários blogs. E sobre divulgação e tudo o que voce menciona muito bem, eu acho que as pessoas de hoje são preguiçosas, acomodadas e inertes. Se contentam em clicar no Comparecerei num evento de Facebook de algum evento real. Daí ficam esperando as gravações de celulares caírem no You Tube para verem como foi. É como voce falou, o problema não é com a internet em si, e sim com quem a utiliza. Lembro quando o CD do StomachalCorrosion "Transtorno Obsceno Repulsivo" saiu e no dia em que recebi as caixas com nossa cota eu mostrei para uns conhecidos e o que ais ouvi foi: Já tem pra baixar?

Abdução Extrema – Hehehe, que foda isso hein! Muito bem Charlie, chegamos ao final desta entrevista! Há algo mais que você gostaria de acrescentar? O espaço é todo seu... 
Charlie Curcio – Esta é a primeira entrevista que faço nesta nova fase da StomachalCorrosion, e legal demais que seja feita com voce, Mosh, velho camarada! O que gostaria de deixa aqui é que as pessoas deveria saber respeitar mais as demais. Isso cabe também, claro, no cenário Underground, onde se discursa muito e não se age nem 1% de tudo o que se fala. O respeito é um ponto muito forte e primordial para uma sociedade melhor, e não esqueçamos que fazemos parte da sociedade sim! Abraços à todos e obrigado pela conversa, grande Mosh!

Abdução Extrema – Eu que agradeço imensamente pela sua colaboração meu camarada, um abraço.